Perante a mais triste campanha eleitoral que as minhas memórias políticas alcançam e convencido da vitória tranquila de Cavaco à primeira volta, arrisco-me a traçar alguns cenários para o segundo mandato do actual PR e reflectir um pouco sobre o nosso sistema político.
A este propósito, o politólogo Joaquim Aguiar declara, com alguma razão, que «no primeiro mandato, o PR procura suceder ao anterior PR; no segundo mandato, o PR tenta escolher quem lhe vai suceder.»
Na verdade, no seu segundo mandato, Cavaco vai ter um papel preponderante na definição da política portuguesa nos próximos 5 anos: perante a desastrosa governação de Sócrates não só vai ser desafiado a dissolver a AR, como também não escapará à tentação de exercer a sua “magistratura activa”, procurando influenciar a composição de um futuro governo do PPD/PSD e abrindo caminho para o seu sucessor em Belém: Barroso, Mendes, Rebelo de Sousa, ...
Também podemos considerar altamente provável que Cavaco seja mais interventivo no processo legislativo do que foi no primeiro mandato, o que significa que não diminuirá o número de vetos e teremos mais pedidos de fiscalização preventiva de constitucionalidade.
Foi assim com Eanes, foi assim com Soares e foi assim com Sampaio. Os seus estilos e passados não lhes destinavam traços semelhantes, mas nenhum escapou à “regra matemática” do segundo mandato mais interventivo, menos consensual e mais polémico. O que acaba por ser contraditório com o facto de, normalmente, obterem maiorias eleitorais mais alargadas, que traduziriam uma base social de apoio mais abrangentes. A meu ver, porém, o aumento da percentagem de votos na reeleição (com a excepção das disputadíssimas eleições de 1980) deve- se mais ao “conservadorismo” do voto aliado ao papel secundário do PR do que a qualquer aprovação entusiástica dos primeiros mandatos presidenciais.
E nada parece mudar este quadro: primeiro mandato mais conciliador; reeleição com votação alargada; segundo mandato de “magistratura activa”.
Será que isto é saudável para a nossa democracia?
Bem sei que os Deputados Constituintes pretendiam revalorizar o órgão de Presidente da República, por constraste com o papel apagado que o mesmo tinha no Estado Novo e para fortalecer a legitimidade democrática no sistema de político português. Mas perante as tristes campanhas eleitorais que conduzem à reeleição certa do mais alto magistrado da Nação e numa altura em que se discute nova revisão constitucional é hora de ponderer a mais-valia da eleição por sufrágio universal e directo do Chefe de Estado com a possibilidade de o mesmo ser reeleito.
Para voltar a assistir ao deprimente espectáculo de Janeiro de 2001 ou de 2011 em 2021 ou em 2031 não contem com o meu aplauso. Das duas uma: o Chefe de Estado deve ser eleito por maioria qualificada do Parlamento com possibilidade de reeleição (o que sucede em países como a Alemanha ou a Itália) ou, em alternativa, ser eleito por sufrágio universal e directo para um único mandato de 7 anos.
Resta saber se será a vontade dos nossos responsáveis políticos ou a crescente abstenção nas eleições presidenciais a determinar esta mudança inevitável nas regras do sistema político português.