Antes de começar a debitar o que me tem atormentado a mente nos últimos tempos, faço uma declaração de interesse: não percebo muito de economia, aquilo que eu sei foi aprendido em aulas teóricas de Economia Política passadas a ouvir música enquanto o respeitado professor Fernando Araújo debitava a matéria do seu gigantesco livro de... Economia Política... Tenho uma enorme aversão ao politicamente correcto que vigora tacitamente neste país, o que me faz querer que ser politicamente incorrecto é sinal de sanidade mental. E tenho um enorme defeito: vivi demasiado tempo fora de Portugal, o suficiente para me considerarem como um corpo estranho que traz ideias malucas lá daqueles cantos europeus que se diz serem de países desenvolvidos.
A partir de hoje irei fazer uma jornada por reflexões, sempre elas madrugadoras porque sou um animal(sim, um ser humano, antes de tudo, é um animal, vá, um mamífero vertebrado) nocturno que apenas consegue pensar quando lá fora está escuro, que irão ser um roteiro por divagações que vou tendo nos mais variados lugares, apenas e só despertados na minha mente por aquela notícia ou por aquele comentário ouvido numa qualquer viagem de metro. Não pretendo ser politicamente correcto, apenas sincero com a minha consciência e com a minha mente. Porque a sinceridade é um bem inestimável.
Grande parte das minhas reflexões vão sempre dar à pergunta metafórica de todos os dias - quais as funções que um Estado deve ter? Ou trocando por miúdos, que tipo de Estado se pode coadunar melhor com a sociedade. Assim de repente, vêem-me vários à mente, desde um Estado dito Liberal ao Estado dito Marxista, a um Estado dito Social ou mesmo à inexistência de um Estado. São tudo classificações muito giras, muito interessantes, mas, no limite, dispensáveis. Ora pois porque todas elas, todas catalogadas num sôfrego tipificador típico dos piores positivismos legalistas, pretendem o mesmo: o bem colectivo da sociedade, uma prosperidade económica que seja pressuposto da felicidade geral de um povo agregado sobre valores identitários comuns. Na sua teorização mais pura, as ideologias são boas porque visam o mesmo fim, o problema é quando elas passam à prática e se vê os meios que usam para atingir o mesmo fim. A própria racionalização inerente a um pensamento que se possa pretender lógico não se pode subsumir à experiência histórica: História, essa disciplina tão odiada, mas tão fundamental para perceber os erros do passado para que não se repitam no futuro. Infelizmente, um grande problema dos povos é exactamente esquecer as lições da História, pensar que, por serem acontecimentos longínquos, não se irão repetir nos dias presentes. Imagem tão errada e tão arrogante, é exactamente através do desconhecimento da História que a história actual começa a cair para lados menos agradáveis. Declaração de interesse neste ponto: o político português, para o ser, devia ser obrigado a estudar a história da República Romana. Parece esotérico, não é? Então não sejam arrogantes e tratem de estudar esse pequeno pedaço da História Mundial.
Deixemo-nos de filosofias, passemos ao hardcore que irá colocar muitas pessoas de orelhas a arder e a desejar que eu seja imulado numa fogueira ao bom velho estilo do Malleus Maleficarum. Primeiro ponto: sou contra o estado actual de coisas, contra o Estado que se apresenta hoje em dia. Sou contra uma Constituição que nos obriga a ir à bancarrota; sou contra um funcionalismo público onde as promoções são automáticas(peço desculpa? automáticas?! onde vai a loucura deste país...); sou contra um Estado que se recusa a diminuir os seus gastos mais primários; sou contra um Estado que, para solucionar velhos problemas, vai buscar velhas soluções e onere cada vez mais os privados para alimentar a sua barriga cada vez maior; em suma, sou contra um Estado omnipresente. Sim, adoro, simplesmente adoro a ideia do Estado ser um guarda-nocturno, mas não um mero guarda-nocturno apenas munido com uma lanterna, mas sim munido com uma lanterna, umas algemas e uma pistola. Mas, agora e para todo o sempre, um guarda nocturno e, nunca, a mãezinha com a saia grande. O Estado, tal como hoje o conhecemos, foi construído à volta de um mundo em que a economia prosperava a olhos vistos, com um baby boom assinalável, enfim, construído à volta de uma pirâmide estável, onde a base era bem maior que o topo. O Estado começou a alargar os seus tentáculos, começou a entrar na economia e a assumir funções que, antigamente, parecia um sacrilégio isso acontecer. Na verdade, continua a ser um sacrilégio que assim aconteça porque, sejamos sinceros, o Estado não tem vocação para ser um prestador de serviços, maxime, ser um agente económico. Sabem onde fui buscar esta? Exacto... às tais aulas teóricas de Economia Política onde me sentava no meu "cativo" 333, do anfiteatro 1, a ouvir música... Não sou capaz de admitir que o Estado me diga se abro a porta da casa-de-banho com a mão esquerda ou com a mão direita; eu não admito que o Estado me diga se posso ou não posso casar com a planta que vive no meu quarto; não admito que o Estado, sob aquela escória de políticos que abunda e empesta o Parlamento, me obrigue a pagar e a sustentar uma classe alargada de privilegiados que não pode ver o seu salário reduzido porque, pasme-se(!!), a Constituição não permite. Em suma, não posso admitir o estado de coisas a que o nosso Estado chegou.
Pergunta intermédia para o jackpot: quais são as diferenças entre a pirâmide da estimável D.Branca e a pirâmide da amiga Segurança Social?
Defesa, Segurança Interna, Justiça, Diplomacia, Finanças - chamo-lhes, carinhosamente e pedindo desculpa pelo adulterar execrável da expressão original, o cursus honorum. São estas as cinco funções fundamentais que um Estado, que se queira minimamente consentâneo com as liberdades individuais, deve assegurar e promover. Sou um amante nato da liberdade, crio ódios de estimação por quem tenta violar ou condicionar a minha liberdade com acções ou omissões; apenas sou capaz de aceitar um Estado que me dê liberdade, efectiva liberdade. Defesa, uma das funções primordiais do Estado, o garante da soberania(mesmo que hoje em dia, o conceito de Soberania possa ser discutível...) mantendo o país como uno e indivisível; Segurança Interna, o Estado deve ter o monopólio da acção penal, o monopólio da manutenção de um estado de segurança que permita que os indivíduos, individualmente considerados, possam sentir-se, efectivamente seguros, e sentirem-se mais livres, uma das funções primordiais que permite manter o Estado pacificar o país e mostrar a sua força efectiva; Justiça, em estreita consonância com a Segurança Interna, duas faces da mesma moeda, um dos garantes da democracia e da liberdade, apenas o Estado deve deter o monopólio do poder jurisdicional, tentando que seja o mais efectivo e célere possível porque, sem uma Justiça eficaz, não há uma democracia eficaz; Diplomacia, a representação do Estado no exterior, a seta que desbrava caminho para que o poder da economia nacional possa progredir pelos caminhos desbravados, a imagem que se pretende passar de uma cultura e de um povo; Finanças, o pilar mais controvertido, mas aquele que é pressuposto de todos os outros: é preciso dinheiro para sustentar os serviços públicos, no fundo, um Estado moderno é um Estado Fiscal.
Por hoje é tudo, nos próximos dias, outras reflexões irão seguir-se...