O que se pode pedir num primeiro post? Pois bem, parece-me útil repescar um velho pensamento feito numa noite enregelada de uma cidade coberta de neve, num país acolhedor com bons aquecedores no quarto e passo-me a citar a mim próprio...
"Aquilo a que se chama uma “redefinição ideológica” pode, por vezes, parecer a discussão sobre o sexo dos anjos. Especialmente quando se pensa em tal assunto num país anteriormente soviético onde o frio impera; e especialmente quando, com essa expressão, se pode tentar visar um projecto pessoal de poder pelo poder. A tal “redefinição ideológica” por vezes deve ser vista como um objectivo comum de uma associação de indivíduos que tenta frisar e atingir o seu objectivo comum: num partido, conquistar o poder e servir a comunidade de forma eficiente e prestável. Mas para que isso seja possível é preciso que esse grupo de homens e mulheres tenha pensamentos estruturados e comuns; ideias que façam sentido e que acreditem de alma e coração; planos que sejam possíveis de ser estruturados no momento específico em que aparecem, mas sempre com a noção de que, por vezes e devido à situação do caso concreto, têm que ser adiados ou reestruturados. Quando se atinge o caos desordenado e onde se zangam as comadres; onde o líder de cada feudo apenas olha pelo seu pequeno castelo e arrigementa os seus homens para tentar conquistar o castelo maior em cima da colina; a “redefinição ideológica” deve servir para encarreirar de novo o grupo na direcção de que nunca deveria ter saído, através do surgimento de uma nova geração de líderes que, naturalmente, trarão consigo novas ideias. Ideias essas que devem ser adaptadas ao tempo em que são apresentadas, sempre com o pensamento e o bom senso de não serem imutáveis por mera teimosia pessoal.
Diz o povo, “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”. Por vezes o povo tem razão, noutras parcialmente razão, mas raramente lhe falta a razão. Quando se funda algo num contexto ideológico extremamente definido e marcado por correntes anti qualquer coisa; obviamente, por faro e bom senso, querendo que esse algo fundado sobreviva, então temos que nos adaptar a esse tempo. Essa adaptação não quer significar de modo automático a traição às ideias que presidiram à fundação de um projecto; tão só evidenciam a inteligência de quem consegue sobreviver num ambiente hostil. Quando esse projecto encontra base para prosperar e adquirir poder, o mais normal na natureza humana, é recostar-se no sofá, à sombra, e deliciar-se com as vantagens de ter o poder. E ao mesmo tempo esquece-se de que o tempo corre de forma invisível e com ele, vão desaparecendo aos poucos a utilidade das ideias que presidiram ao poder.
Quando essa aura de vencedor desaparece e se instala o vazio, o pior que pode acontecer é que esse vazio signifique a divisão em feudos dentro desse projecto. Divisão essa que adensa o vazio e que amarra a vida interna numa espécie de espectáculo romano onde os gladiadores se degladiam à procura do prémio supremo: o poder, de agradar, de se libertarem, de seguirem a sua vida e um dia poderem, quiçá, ter o verdadeiro poder, alicercados numa força seguidora de autómatos cegos que cobiçam os despojos e os lugares livres conquistados.
A tal “redefinição ideológica” não mais é do que um encarrilamento necessário e indispensável, de algo que há muito anda completamente perdido por entre curvas e contra curvas; de guerrilhas feudais sem ponta de interesse, em que a cada estoucada o partido morre aos poucos.
Vilnius
2009-10-21
22h58"
1ª parte de uma reflexão mais profunda que terá os seus próximos episódios num futuro não longínquo desta data... E já agora, um muito obrigado ao Guilherme por me ter convidado a escrever neste espaço!